quinta-feira, 25 de março de 2010

Caravaggio: O Sobrenatural Feito Real

O pintor mais original do século XVII, Caravaggio (1571-1610), veio injetar vida nova na pintura italiana após a artificialidade estéril do Maneirismo. Conduziu o realismo a novas alturas, pintando corpos em estilo absolutamente “barra pesada”, em oposição aos pálidos fantasmas maneiristas. Desse modo Caravaggio secularizou a arte religiosa, fazendo os santos parecerem gente comum e os milagres, eventos do cotidiano.

Embora se especializasse em grandes pinturas religiosas, Caravaggio defendia a “pintura direta” da natureza – ao que parece, diretamente dos cortiços mais sórdidos. No “Chamado de São Mateus”, por exemplo, o futuro apóstolo está numa taverna escura, cercado de homens chiques contando dinheiro, quando Cristo ordena: “Siga-me”. Um foco de luz diagonal ilumina a expressão aterrada e o gesto de perplexidade do coletor de impostos.

A Conversão de São Paulo, Caravaggio A Conversão de São Paulo, Caravaggio, 1601

Na “Ceia em Emaús”, Caravaggio mostra o momento em que os apóstolos descobrem que seu companheiro à mesa é o Cristo ressuscitado como se fosse um encontro inesperado num bar. Os discípulos empurrando as cadeiras para trás e estendendo os braços, uma tigela de frutas secas prestes a cair da mesa, fazem a ação saltar para fora do quadro envolvendo o espectador na cena. “A Conversão de São Paulo” confirma a habilidade de Caravaggio para lançar um olhar novo sobre um tema tradicional. Outros pintores retrataram o fariseu Saul convertido por uma voz vinda do alto e Cristo sentado num trono celestial cercado por uma corte de anjos. Caravaggio mostra São Paulo estendido no chão, caído de um cavalo cuja traseira é pintada explicitamente em primeiro plano. O foco de luz revela detalhes como as veias das pernas do cavalariço e sulcos na armadura de São Paulo, enquanto os elementos não essenciais desaparecem no fundo escuro.

A Ceia em Emaús, Caravaggio, 1601, óleo e têmpera sobre tela A Ceia em Emaús, Caravaggio, 1601

Caravaggio usa a perspectiva de modo a trazer o espectador para dentro da ação. O chiaroescuro captura as emoções e intensifica o impacto da cena por meio dos contrastes de luz e sombra. Essa encenação não tradicional, teatral, joga um único foco de luz crua sobre o tema em primeiro plano para concentrar a atenção do espectador na força do evento e na reação dos personagens. Devido ao fundo escuro adotado por Caravaggio, seu estilo foi chamado il tenebroso (estilo das trevas)

Muitos dos que encomendaram decoração de altares a Caravaggio se recusaram  a aceitar suas versões, considerando-as profanas e vulgares. No entanto a escolha de tipos suspeitos, de gente das classes baixas, como modelos adequados à arte religiosa, exprime a concepção, sustentada pela Contra-Reforma, de que a fé era acessível a todos.

Na visão do pintor contemporâneo Poussin, conhecido por suas cenas pacíficas, Caravaggio era um subversivo, um traidor da arte da pintura. Para a polícia, ele era um fugitivo procurado por homicídio. Mas para os grandes artistas Rubens, Velazquez e Rembrandt, ele era um audacioso inovador que lhes ensinou a tornar a pintura religiosa ao mesmo tempo hiper-real e absolutamente imediata.

Carol Strickland. Arte Comentada, Da Pré-História ao Pós-Moderno.

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