“Procurei tratar meus temas como um escritor trágico: minha pintura é meu palco”.
William Hogarth (1697-1764).
Influenciado por mestres da sátira contemporânea, como Fielding e Swift, Hogarth inventou um novo gênero – a tira cômica – ou uma sequência de quadros anedóticos que zombava das cenas do cotidiano. As massas compravam gravuras, tiradas aos milhares, baseadas nesses quadros, e Hogarth tornou-se o primeiro inglês a ser amplamente conhecido no estrangeiro.
A missão da vida inteira de Hogarth foi superar o complexo de inferioridade da Inglaterra e a adoração dos artistas continentais. Ele criticava os Grandes Mestres, dizendo que haviam sido “valorizados na fumaça” do tempo e tinham se tornado quase indecifráveis. Denunciava os retratistas da moda como “pintores de caras”. Recusava-se a favorecer seus modelos em retratos, acreditando que as irregularidades revelavam o caráter. Em vista disso, recebia poucas encomendas, o que o levou a descobrir sua verdadeira vocação – gravuras satíricas.
Quando Hogarth era criança, seu pai, que era mestre-escola, foi preso por dívidas, experiência que marcou permanentemente o pintor. Em sua série The Rake’s Progress, Hogarth expõe francamente o lado avesso da vida, mostrando as condições deploráveis da prisão dos devedores e de Bedlam, o asilo dos loucos. Hogarth pode ser considerado também o primeiro cartunista político. Extraía inspiração de todos os segmentos da sociedade, satirizando com igual aprumo a ociosa aristocracia, os trabalhadores urbanos embriagados (inédito nas artes visuais) e os políticos corruptos.
“Cena do Breakfast”, da série Marriage à la Mode, Hogarth, c. 1745
A série Marriage à la Mode ridiculariza uma jovem nova rica casada com um visconde dissoluto, casamento arranjado para elevar a posição social da primeira e a conta bancária do segundo. Como Henry Fielding, amigo de Hogarth, escreveu no romance cômico Tom Jones, “Seus desígnios eram rigorosamente respeitáveis, assim como suas palavras: isto é, roubar a fortuna de uma dama por meio do casamento”.
Hogarth usava toques para sugerir o enredo dos quadros. “Em cena do Breakfast”, a noiva olha de soslaio para o noivo adquirido com seu dote, enquanto o desmazelado nobre parece acabrunhado, ou de ressaca, ou ambos. Os ponteiros do relógio, apontando que passa do meio dia, sugerem uma noite de farra, indicada ainda pelas cartas no chão , a cadeira caída e a espada quebrada. A touca de renda no bolso do aristocrata insinua adultério.
A honestidade descomprometida aliada ao humor é a marca registrada da arte de Hogarth. Ele disse certa vez que preferia ter “impedido o progresso da crueldade a ser o autor [das pinturas] de Rafael”.
Carol Strickland. Arte Comentada, Da Pré-História ao Pós-Moderno.
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